segunda-feira, 8 de junho de 2015

Eu acho é pouco.

A cruz é um instrumento de tortura milenar. Uma representação máxima da dor, sofrimento, flagelo e suplício. A cruz também é um símbolo de ódio, ignorância e crueldade. Um símbolo da frieza desumana dos que crucificam e da humilhação taxativa do crucificado.

A cruz é também e principalmente o símbolo mundial do cristianismo. Uma vertente religiosa cuja doutrina foca o ato de amor de um deus que, para redimir os pecados de seu povo, submeteu seu filho ao sacrifício máximo da morte e à humilhação pela cruz. Esse filho viveu pregando a compaixão, o amor e o respeito. Criou dez mandamentos para a sua vindoura igreja e para simplificar as coisas resumiu todos eles em dois:

  1.  Amar a deus sobre todas as coisas.
  2. Amar ao próximo como a si mesmo.
Amar ao deus que, POR AMOR, dá a vida de seu próprio filho pelo pecado dos outros e amar a estes outros como se ama a si mesmo... Para mim, na minha humilde interpretação, algo que diz que o  AMOR é o principal ensinamento de todos e deve vir acima de tudo. Ou deveria ser.

No domingo passado a atriz Viviany Beleboni fez uma performance artística durante a parada do orgulho LGBT em São Paulo. A performance consistia de uma representação da crucificação de Jesus. As letras INRI (Iēsus Nazarēnus, Rēx Iūdaeōrum – Jesus Narazeno Rei dos Judeus) supostamente presentes na placa da crucificação original de Jesus foram substituídas pelo apelo “BASTA DE HOMOFOBIA COM GLBTs”. Uma metáfora clara para o suplício que essas pessoas sofrem na sociedade em que vivemos. Pela constante humilhação, dor e sofrimento que podem resultar em assassinatos, como o da amiga da atriz baleada com quatro tiros na cidade de Porto Alegre em um crime de transfobia.

Qualquer que seja o cristão que olhe para a imagem dessa mulher trans emulando a crucificação de Jesus Cristo, coberta de sangue da cabeça aos pés, com um clamor de BASTA sobre a cabeça e não consiga ver neste protesto um pedido gritante de SOCORRO não deveria ser digno de se considerar cristão verdadeiro.

Justamente aqueles de deveriam amar ao deus, que perdoa a tudo e a todos, sobre todas as coisas e ao próximo como amam a si mesmos são os primeiros a levantar os dedos em riste, atirar pedras, condenar ao fogo do inferno, ameaçar de morte, agredir e humilhar.

Para estas pessoas o que incomoda aqui não é o uso do seu símbolo religioso e a apropriação deste. O jogador de futebol Neymar pode virar mártir crucificado na capa da revista Placar sem iniciar nenhum levante popular. Não. O que incomoda aqui é que Viviany é uma mulher trans, um ser estranho, diferente, uma “aberração” para esse povo cheio de ódio que esqueceu que a ÚNICA missão conferida por seu deus era amar. Um povo cheio de ignorância que não consegue perceber que com sua agressão cotidiana incentiva e justifica formas de agressão piores que culminam em assassinatos. Mortes horrendas que se assemelham de verdade à morte pela cruz. Mortes irreversíveis: eu nunca ouvi falar de uma travesti que ressuscitou ao terceiro dia para voltar aos braços de sua mãe, família e amigos.

Essa gente cheia de ódio precisa acordar para perceber que respeito, tolerância, compaixão e amor são a chave para um mundo melhor; e que o discurso que elas pregam é de desrespeito, aversão, ignorância e ódio. ÓDIO. E para vencer esse ódio é preciso SIM tocar no ponto mais dolorido da questão. Essa gente precisa rever o sacrifício de seu deus na pele de uma mulher trans SIM, mais e mais vezes. Até que um dia, quem sabe, consiga enxergar no pedido de socorro de uma atriz coberta de sangue falso o sofrimento rotineiro das milhares de travestis e mulheres trans que, quando tem sorte, não sangram de verdade.
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