A cruz é um instrumento de tortura milenar. Uma
representação máxima da dor, sofrimento, flagelo e suplício. A cruz também é um
símbolo de ódio, ignorância e crueldade. Um símbolo da frieza desumana dos que
crucificam e da humilhação taxativa do crucificado.
A cruz é também e principalmente o símbolo mundial do
cristianismo. Uma vertente religiosa cuja doutrina foca o ato de amor de um deus que, para redimir os pecados de seu povo, submeteu seu filho ao sacrifício
máximo da morte e à humilhação pela cruz. Esse filho viveu pregando a compaixão, o amor e
o respeito. Criou dez mandamentos para a sua vindoura igreja e para simplificar
as coisas resumiu todos eles em dois:
- Amar a deus sobre todas as coisas.
- Amar ao próximo como a si mesmo.
Amar ao deus que, POR AMOR, dá a vida de seu próprio filho
pelo pecado dos outros e amar a estes outros como se ama a si mesmo... Para mim, na
minha humilde interpretação, algo que diz que o AMOR é o principal ensinamento de todos e deve
vir acima de tudo. Ou deveria ser.
No domingo passado a atriz Viviany Beleboni fez uma
performance artística durante a parada do orgulho LGBT em São Paulo. A
performance consistia de uma representação da crucificação de Jesus. As letras
INRI (Iēsus Nazarēnus, Rēx Iūdaeōrum – Jesus Narazeno Rei dos Judeus)
supostamente presentes na placa da crucificação original de Jesus foram substituídas pelo apelo “BASTA
DE HOMOFOBIA COM GLBTs”. Uma metáfora clara para o suplício que essas pessoas sofrem
na sociedade em que vivemos. Pela constante humilhação, dor e sofrimento que
podem resultar em assassinatos, como o da amiga da atriz baleada com
quatro tiros na cidade de Porto Alegre em um crime de transfobia.
Qualquer que seja o cristão que olhe para a imagem dessa
mulher trans emulando a crucificação de Jesus Cristo, coberta de sangue da
cabeça aos pés, com um clamor de BASTA sobre a cabeça e não consiga ver neste
protesto um pedido gritante de SOCORRO não deveria ser digno de se considerar cristão
verdadeiro.
Justamente aqueles de deveriam amar ao deus, que perdoa a
tudo e a todos, sobre todas as coisas e ao próximo como amam a si mesmos são os
primeiros a levantar os dedos em riste, atirar pedras, condenar ao fogo do
inferno, ameaçar de morte, agredir e humilhar.
Para estas pessoas o que incomoda aqui não é o uso do seu
símbolo religioso e a apropriação deste. O jogador de futebol Neymar pode
virar mártir crucificado na capa da revista Placar sem iniciar nenhum levante
popular. Não. O que incomoda aqui é que Viviany é uma mulher trans, um ser
estranho, diferente, uma “aberração” para esse povo cheio de ódio que esqueceu
que a ÚNICA missão conferida por seu deus era amar. Um povo cheio de ignorância
que não consegue perceber que com sua agressão cotidiana incentiva e justifica
formas de agressão piores que culminam em assassinatos. Mortes horrendas que se
assemelham de verdade à morte pela cruz. Mortes irreversíveis: eu
nunca ouvi falar de uma travesti que ressuscitou ao terceiro dia para voltar
aos braços de sua mãe, família e amigos.
Essa gente cheia de ódio precisa acordar para perceber que
respeito, tolerância, compaixão e amor são a chave para um mundo melhor; e que o
discurso que elas pregam é de desrespeito, aversão, ignorância e ódio. ÓDIO. E para vencer esse ódio é preciso SIM tocar no ponto mais dolorido da questão. Essa gente precisa rever o sacrifício de seu deus na pele de uma mulher trans
SIM, mais e mais vezes. Até que um dia, quem sabe, consiga enxergar
no pedido de socorro de uma atriz coberta de sangue falso o sofrimento
rotineiro das milhares de travestis e mulheres trans que, quando tem sorte, não
sangram de verdade.
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