quinta-feira, 11 de agosto de 2016

O dia em que tomei (de verdade) meu primeiro sorvete de morango

Pra ficar mais gostosinho leia esse texto ouvindo Efêmera, da Tulipa Ruiz.
Sabe quando alguém te chama para tomar uma cervejinha e você fala que não pode, que o tempo está corrido, que “anda garrado”, que tem um compromisso... mas que vocês PRECISAM MARCAR um dia desses? Mas não é daquelas vezes que você não gosta muito do convite, ou está sem paciência ou vontade e dá uma desculpa meio frouxa para declinar. Não. Eu estou falando daquelas vezes que você REALMENTE quer sair, mas o trabalho, a faculdade, o namoro, a família, a casa, a academia, a aula de inglês, a autoescola, o cachorro doente no veterinário... enfim, a correria da vida te impede de viver esse momentinho de efemeridade.

Esse sentimento você conhece, de estar sempre correndo. E exausto. Foi a Eliane Brum quem escreveu um maravilhoso texto para o ELPAÍS sobre essa condição não humana que padroniza a forma de (sobre)viver dos dias de hoje. Um trecho dele circulou bastante no facebook:

Estamos exaustos e correndo. Exaustos e correndo. Exaustos e correndo. E a má notícia é que continuaremos exaustos e correndo, porque exaustos-e-correndo virou a condição humana dessa época. E já percebemos que essa condição humana um corpo humano não aguenta. O corpo então virou um atrapalho, um apêndice incômodo, um não-dá-conta que adoece, fica ansioso, deprime, entra em pânico. E assim dopamos esse corpo falho que se contorce ao ser submetido a uma velocidade não humana. Viramos exaustos-e-correndo-e-dopados. Porque só dopados para continuar exaustos-e-correndo.

Uma sensação comum a todos nós. Todos. Mas eu estou escrevendo esse texto para falar exatamente sobre a sensação oposta. Como ela é bem mais rara, mais incomum, decidi começar falando do oposto, gera mais identificação e te deixa um pouquinho mais preso desse lado daí, lendo. Pois bem. Nas últimas duas semanas eu estive... livre. Não estive exausto, nem correndo, nem dopado. É bem mesmo essa a palavra: livre. Sem trabalho, sem faculdade, sem compromisso importante agendado. Nada que me impedisse de pegar meus doze pares de AllStar que não viam água e sabão há anos, lavar eles a mão no tanque às nove da manhã enquanto cozinho um feijão na cozinha, colocar os tênis para secar “quarando” no sol de meio dia enquanto escuto o novo álbum da Supercombo, em plena terça-feira.

Esses últimos dias me permitiram fazer um monte de coisas que eu queria ter feito há muito tempo e que “a vida” não deixava. Mas depois que todas essas coisas estavam feitas, depois do checklist zerado, eu comecei a experimentar os dias de forma diferente. Me veio uma sede de coisas, uma vontade de ver gente, uma vontade de saltar pela janela e virar cidade lá fora. Foi tomando um sorvete de tarde na pracinha que eu senti essa sensação gostosa e estranha (estranha justamente por ser assim tão diferente do que estamos acostumados) que vou descrever.

Eu estava em casa estudando para o mestrado, parei para comer e me veio um desejo louco de tomar sorvete. Coloquei uma “brusinha” e fui na pracinha da rua de baixo da minha casa comprar um sorvete em uma sorveteria/açaí (hoje em dia toda sorveteria virou açaí e todo açaí serve sorvete, inclusive amo, parabéns aos envolvidos) que eu nunca tinha ido antes. Eu estava pensando em comprar um pote de sorvete e voltar para casa para comer, enquanto estudava. Mas quando cheguei na pracinha o barulho das crianças no horário de recreio na escolinha ao lado, a sombra das arvores na calçada e o clima gostoso da tarde me disseram que seria uma excelente ideia sentar ali e tomar aquele sorvete.

Nesse momento mágico, eu senti uma sensação tão gostosa, tão maluca, tão insana, de ficar ali, tomando sorvete, que comprei duas bolas de morango, meu preferido, pedi para servir no cascão, tirei uma pazinha de madeira da caixinha de acrílico no balcão e sentei no banquinho de cimento. Única e exclusivamente para tomar meu sorvete.

Eu nunca tomei um sorvete tão gostoso na minha vida. Enrolei cada minuto, peguei porções minúsculas de cada vez. Devo ter ficado uns quarenta minutos sentado ali tomando sorvete. Eu não estava enrolando porque tinha uma atividade chata para fazer depois e queria postergar aquele momento. Não estava aproveitando um momento só comigo mesmo nas férias para relaxar, não estava fazendo uma pausa na vida corrida para tomar um sorvete, porque não tenho mais uma vida corrida para pausar. Não. Eu só estava me delongando e apreciando aquele sorvete de morango ao máximo simplesmente porque eu podia, e queria. Sem férias, sem fim de semana, sem pretexto. Afinal de contas: era sorvete, não era calmante para o stress do trabalho nem antidepressivo como forma preventiva das enxaquecas rotineiras de ficar o dia inteiro com a cara enfiada no computador.

O sorvete estava tão gostoso que eu comecei a me perguntar se eu, alguma vez, já tinha dedicado a atenção merecida aos sabores e texturas de um sorvete de casquinha. Se o morango é meu sabor favorito, sempre pedi ele, e até agora não tinha me dado conta do quanto ele é saboroso, aquele freezer cheio de opções dentro da sorveteria era um mundo gigantesco de oportunidades desperdiçadas porque eu sempre estive correndo demais para dar atenção aos pequenos prazeres das coisas.

Foi nessa hora que eu percebi que há muito, mas muito tempo mesmo, eu não apreciava as efemeridades gostosas da vida. Saía na sexta-feira para tomar uma cervejinha com os amigos “para relaxar”, porque eu “estava precisando”. Ia para cachoeira no fim de semana para “esvaziar a cabeça”. Fazia temporada de Netflix para “me desligar um pouco”. Dormia até tarde no domingo “porque eu merecia”. Não é que eu não estava me divertindo, relaxando ou aproveitando esses momentos. Mas o motivo pelo qual me dedicava a eles, o que dizia aos outros e a mim mesmo, faziam toda a diferença na hora de viver esses momentos. Tomar uma cervejinha para esfriar a cabeça é muito diferente de fazer exatamente a mesma coisa porque você quer, e pode.

É claro que essa vida boa não vai durar muito mais tempo. O mestrado está aí, em breve volto a trabalhar e os dias vão sim, voltar a ser corridos. Eu só espero me lembrar dessa sensação gostosa e não me esquecer do ensinamento primoroso que tirei de duas bolas de sorvete de morango: a vida passa, e se a gente encarar todos nossos momentos gostosos de descanso e diversão como remédio para o stress e folga para a correria, talvez morramos sem nunca experimentar, de verdade, mais que um ou dois sabores de sorvete.
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