Amigas gays, sapatas, total flex, assexuadas e
representantes amadas de todos os espectros possíveis da fluida e linda
sexualidade humana, venho com esse texto perfumado pelas sete fragrâncias da
Egeo, do boticário, lembrar uma coisa importante: somos, sempre
fomos e sempre seremos minoria.
Falei o óbvio? Talvez. Mas as vezes é bom repetir pra que
não nos esqueçamos. O comercial da Boticário para o dia dos namorados é lindo,
fofo, meigo e representativo. E isso é ótimo! Batamos palmas pela coragem dos
representantes da marca de se posicionar de forma firme, acertaram em cheio. Viva!
Tomara que isso incentive outras marcas a se posicionarem de forma semelhante.
Mas resolvi escrever esse textinho para falar de outro ponto. Ou outros pontos:
A Rejeição do comercial e o boicote da marca não são um
absurdo tão grande assim, muito menos uma surpresa.
Nosso país ainda é aquele que tem o maior registro de crimes
homofóbicos NO MUNDO TODO. Seguido por México e Estados Unidos. Sete em cada dez homossexuais já sofreram
alguma forma de agressão (e fizeram denúncia, porque se formos contar todas as
formas de agressão não denunciadas sabemos que esse número pula pra 10/10 né?).
A representatividade de homossexuais na televisão é ridícula e pouco
expressiva. O casamento civil é uma conquista extremamente recente e sofrida. Enfim,
o cenário é ruim. A coisa está feia, e a gente se esquece disso. E nos
esquecemos por quê?
A circulação de informação pela internet nos coloca dentro
de uma bolha de conforto.
Para além do fato de que nos cercamos de pessoas que nos
fazem bem, e por isso a maioria dos nossos amigos são gays, ou pessoas que nos
aceitam e fazem o máximo pra se livrar de seus preconceitos, os novos meios de
acesso à informação tendem a nos deixar monotemáticos. O algoritmo do feed do
facebook faz com que só vejamos publicações de pessoas que compartilham dos
nossos interesses. Ou seja: por mais que você tenha vários amigos babacas na
sua lista repudiando um comercial como esse e sendo escrotos em níveis
astrológicos é muito improvável que o chorôrô da família tradicional vá
aparecer na sua timeline. Isso te dá a ilusão de que todo mundo é legal, mente
aberta e nada preconceituoso. Mas cuidadinho, amiguinho. O mundo não é tão cor
de rosa quanto a sua timeline.
Precisamos voltar a fazer barulho, voltar a sermos
ativistas.
Somos minoria e sempre seremos. O importante é que sejamos
uma minoria respeitada, representada e não negligenciada. Para isso é
importante que sejamos vistos, ouvidos e lembrados a cada dia. Não podemos nos
acomodar e nos sentirmos confortáveis com a vidinha mais ou menos que
conquistamos até então. Vivemos hoje em um mundo bem menos repressivo do que a
vinte anos atrás, mas não poder demonstrar afeto em público sem ouvir uma buzina
de carro, um assovio impertinente ou qualquer forma de assédio ainda é
repugnante e absurdo. E lutar pelo fim disso é, acreditem se quiser, muito mais
difícil que lutar pelo direito ao casamento civil ou pela criminalização da
homofobia.
Ativismo também é feito no dia a dia, no cotidiano.
Participar de passeatas, abaixo assinados e petições online
são formas válidas de luta pra tentar mudar um pouquinho esse mundinho todo
errado. Mas a maioria esmagadora das pessoas ainda nos vê como aberrações, como “desviados”
ou anormais. Da próxima vez que pegar um ônibus olhe bem para cada pessoinha
que está fazendo uso desse transporte com você e tente imaginar qual a opinião
dela sobre a sua sexualidade (isso se eles não estiverem demonstrando essa
opinião de forma clara com torcidas de nariz e olhares significativos). No
nosso dia a dia convivemos com pessoas homofóbicas o tempo todo e engolimos
muitos sapos em nome de uma conveniência que eu não sei se leva alguém a lugar
algum. Interromper a piada machista do tio do pavê no almoço de domingo e
confrontar o ataque que ela representa também é ser ativista. Chamar o
coleguinha fanático pelo time de futebol e exigir que ele pare de usar
xingamentos homofóbicos e machistas como “maria”, “chupa”, “gaylo” e demais
variantes também é ser ativista. Não esconder seu relacionamento ou sua
sexualidade dentro do ambiente de trabalho por “conveniência” também é ser ativista.
Enfim, não engolir sapos é ser ativista.
Aceitação x Respeito.
Parafraseando a música que dá embalo à propagando da
boticário: a gente vive junto mas não se dá bem, porque eles não desejam mal a
quase ninguém. E esse quase somos nós.
Lembre-se: você não precisa da “aceitação” de ninguém porque
não precisa pedir permissão para ser você mesmo. Não precisa abaixar a cabeça pra
quem, de forma direta ou indireta, ajuda a cercear seus direitos. Não queremos
aceitação, queremos respeito. E a campanha de boicote contra o comercial da
Boticário veio em boa hora para nos lembrar que esse RESPEITO é uma coisa que
estamos longe de obter.
E a gente vai à luta e conhece a dor, consideramos justa
toda a forma de amor...