sábado, 17 de janeiro de 2015

Mais empatia, por favor.




Imaginem a seguinte situação: alguém pisa em um prego enferrujado com os pés descalços e aquilo ali vai fundo até o osso do calcanhar. A pessoa, que é dotada de sistema nervoso, solta um grito agudo de intensa agonia. Nesse momento você vira e diz:

_Ai, para com isso. Nem tá doendo isso aí.

A pessoa olha incrédula e você continua:

_Olha, eu nunca pisei em um prego na minha vida. Nem mesmo tachinha ou alfinete. Mas daqui de onde eu estou olhando parece não doer nem um pouquinho. Então para de gritar que você está me incomodando. Obrigado.

Parece absurdo? Pois eu tenho visto isso acontecendo todos os dias, com uma frequência que tem me incomodado muito. Não, ninguém que eu conheça tem pisado em pregos enferrujados (e que continue assim), mas em analogia ao meu conto do desastre calcante eu tenho visto e ouvido uma acusação absurda recentemente: vitimismo.

Primeiro que essa porra dessa palavra nem existe. Não aparece no Houaiss, no Pliberam, no Aurélio nem em qualquer outro dicionário de língua portuguesa que eu tenha consultado. O que sugere que ela é uma criação recente. Criação de pessoas arrogantes, diga-se de passagem.

Quando um indivíduo relata um sentimento de dor, opressão, violência ou exclusão perante uma conjuntura qualquer existem apenas duas opções para quem presencia esse relato:

1.   Identificação: talvez você já tenha sofrido o mesmo, talvez você saiba exatamente do que se trata aquele desabafo, talvez isso doa mais em você ou, quem sabe, talvez depois de passar pela mesma situação tantas vezes você já esteja calejado e nem perceba mais. Se o caso é esse, só resta uma coisa a fazer: abraçar (mesmo que mentalmente) o coleguinha.



2.  Cala a boca e escuta: se você não faz ideia do que aquela pessoa está passando, nunca esteve em situação semelhante, não vem bancar o idiota e dizer que o prego enfiado no calcanhar não está doendo nadinha.


Se um gay diz pra você que é ele quem se sente ofendido quando você usa termos como “viado”, “baitola” e “boiola” para xingar seus amigos, não faça o papel de babaca dizendo que “é brincadeira”, que você não “teve a intenção” e que ele está “fazendo tempestade em copo d’água”. Porque GUESS WHAT? Você é gay? NÃO, então o prego não está no seu pé, querido.

Se um negro ou uma negra pede para que você para de usar a expressão “não sou suas nega” porque ela é racista e escrota ao último nível, não seja estúpido ao ponto de dizer que a pessoa está exagerando.

Se uma pessoa trans te diz que é ofensivo perguntar - “então você nasceu mulher e decidiu virar homem?” - tudo o que você deve fazer é ouvir, calar o biquinho, pedir desculpas e se policiar para não repetir um erro semelhante.

Resumindo: não cabe a você definir o que é ou não é ofensivo para os outros. Esta atitude é extremamente prepotente, arrogante e o pior de tudo: indiferente. E quando você ignora o desabafo daquele indivíduo – porque requer muita coragem na maioria das vezes para assumir a dor e dizer: “ei, você está me machucando dizendo/fazendo isto” – e continua a praticar a mesma ofensa repetidamente, é como se você olhasse para o prego encravado no pezinho do coleguinha e dissesse:

_ Vamos enfiar esse prego mais fundo um pouquinho? Eu já te disse que não dói. Viu? Não dói nadinha. Não importa que o prego está no seu pé e não no meu. Eu manjo muito de pregos...

Pessoas que fazem isso demonstram uma incapacidade quase patológica de se colocar no lugar do outro e manifestar um bocado de empatia. Sabe empatia? Sim, a qualidade que falta em pessoas APÁTICAS. Então, se você já agiu dessa forma é isso que está faltando em você: uma das qualidades humanas que nos distingue da maioria dos animais e nos torna capazes de sentimentos como amor, compaixão e afeto.

Então não seja um estúpido, babaca, ignorante e apático. Não há nenhum problema em cometer erros e eventualmente ofender as pessoas no dia a dia. Acontece, todos nós estamos susceptíveis a isso. O importante é usar um bocadinho nossos aparelhos auditivos para ouvir o outro, reconhecer, pedir desculpas e tentar não repetir. Isso mostra que você é uma pessoa MUITO LEGAL MESMO NOSSA DEIXA EU SER SEU AMIGO e adivinha? Na maioria das vezes, aquela pessoa que você ofendeu vai logo aceitar seu pedido de desculpas e vocês poderão se tornar grandes amigos para sempre caminhando pelo arco-íris montados em um unicórnio alvo em busca do pote de ouro.

Portanto, vamos riscar a palavra vitimismo do nosso vocabulário e parar de espalhar por aí asneira, desamor e pregos enferrujados nos calcanhares alheios. Obrigado.
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Um comentário:

  1. Para não perder o costume: MARK, SEU LINDO!
    Concordo com tudo <3
    Falta muita empatia por aí. E muita vontade de mudar tbm.
    Eu sou uma pessoa muito melhor quando admiti que sou racista, machista, homofóbica, transfóbica, gordofóbica, etc. etc. etc.
    E que tenho que lutar todo o tempo pra desconstruir esses preconceitos que machucam não só os outros, mas a mim tbm...
    De todas as formas, continue a escrever e ser lindo <3

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